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A Aranha e a Alfazema.


Gosto de fazer fotografia. Para mim é uma forma de comunicação, através de uma foto podemos mostrar pensamentos, ideias, sentimentos... 
Sinto-me feliz, quando olho à minha volta e, através do que vejo imagino histórias, pego na máquina e tento (sim, por enquanto, são tentativas) captar o que vejo e o que imagino. E foi isso que aconteceu com esta Alfazema e esta Aranha. Na minha horta tenho muita alfazema, tanta que já ofereci, já fiz vasos, eu sei lá, de quando em quando também corto as flores e espalho-as pela casa. Fica bonito e cheiroso. Em minha casa também coabitam connosco algumas aranhas. O meu companheiro não simpatiza muito com elas, mas eu gosto delas e admiro-as. E foi por isso que fiz estas fotos. Na altura muitas coisas me passaram pela cabeça, mas como não tenho jeito para as palavras, guardei as fotos. Mas há dias estava lendo um livro de contos do Mia Couto, "O fio das missangas", encontrei este conto, adorei tanto, que resolvi transcrevê-lo aqui acompanhado pelas minhas fotos.


"A infinita Fiadeira"
"A aranha, aquela aranha, era tão única: não parava de fazer teias! Fazia-as de todos os tamanhos e forma. Havia, contudo, um senão: ela fazia-as, mas não lhe dava utilidade. O bicho repaginava o mundo. Contudo, sempre inacabava as suas obras. Ao fio e ao cabo, ela já amealhava uma porção de teias que só ganhavam senso no rebrilho das manhãs.
E dia e noite: dos seus palpos primavam obras, com belezas de cacimbo gotejando, rendas e rendilhados. Tudo sem fim nem finalidade. Todo o bom aracnídeo sabe que a teia cumpre as fatais funções: o lençol de núpcias, armadilha de caçador. Todos sabem, menos a nossa aranhinha, em suas distraiçoeiras funções.
Para a mãe-aranha aquilo aquilo não passava de mau senso. Para quê tanto labor se depois não se dava a indevida aplicação? Mas a jovem aranhiça não fazia ouvidos. E alfaiatava, alfinetava, cegava os nós. Tecia e retecia o fio, entrelaçava e reentrelaçava mais e mais a teia. Sem nunca fazer morada em nenhuma. recusava a utilitária vocação da sua espécie.
- Não faço teias por instinto.
- Então, faz porquê?
- Faço por arte.

Benzia-se a mãe, rezava o pai. Mas nem com preces. A filha saiu pelo mundo em oficio de infinita teceola. E em cantos e recantos deixava a sua marca, o engenho da sua seda. Os pais, após concertação, a mandaram chamar. A mãe:
- Minha filha, quando é que assentas as patas na parede?
E o pai:
- Já eu me vejo em palpos de mim...
Em choro múltiplo, a mãe limpou as lágrimas dos muitos olhos enquanto disse: 
- Estamos recebendo queixas do aranhal.
- O que é que dizem, mãe?
- Dizem que isso só pode ser doença apanhada de outras criaturas.

Até que se decidiram: a jovem aranha tinha que ser reconduzida aos seu mandos genéticos. Aquele devaneio seria causado por falta de namorado. A moça seria até virgem, não tendo nunca digerido um machito. E organizaram um amoroso encontro.
- Vai ver que custa menos que engolir uma mosca - disse a mãe.
E aconteceu. Contudo, ao invés de devorar o singelo namorado, a aranha namorou e ficou enamorada. Os dois deram-se os apêndices e dançaram ao som de uma brisa que fazia vibrar a teia. Ou seria a teia que fabricava a brisa?
Aranhiça levou o namorado a visitar a sua colecção de teias, ele que escolhesse uma, ficaria prova de seu amor.

A familia desiludida consultou o Deus dos bichos, para reclamar da fabricação daquele espécime. Uma aranha assim, com mania de gente? Na sua alta teia, o Deus dos bichos quis saber o que poderia fazer. Pediram que ela transitasse para humana. E assim sucedeu: num golpe divino, a aranha foi convertida em pessoa. Quando ela, já transfigurada, se apresentou no mundos dos humanos logo lhe exigiram a imediata identificação. Quem era, o que fazia?
- Faço arte.
- Arte?
E os humanos se entreolharam, intrigados. Desconheciam o que fosse arte. Em que consistia? Até que um, mais-velho, se lembrou. Que houvera um tempo , em tempos de que já se perdera memória, em que alguns se ocupavam de tais improdutivos afazeres. Felizmente, isso tinha acabado, e os poucos que teimavam em criar esses pouco rentáveis produtos - chamados de obras de arte - tinham sido geneticamente transmutados em bichos. Não se lembrava bem em que bichos. Aranhas, ao que parece."


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